(a)guardando a Mel

I

Você partiu?
Não ouço mais sua doce voz
E quais palavras me restam?
As últimas que tinha
Guardei num papel que não dobrei
Para te dar

Você se foi de vez?
Ainda tem contas pra pagar
Ainda trago o bolso vazio
Das suas lições
Você não me deu um último papo,
Satisfações

Fui eu quem te expulsou?
Descrevendo demais o que senti
Fui escrivão da tua vida
Com amor inconsciente, fiz poesia
Nos versos conscientes, escravidão
Te fiz exílio, cativa
E agora foges
Entre os versos
Entre as pausas
Do sentido
De um homem são

II

Se você não for voltar
Te guardei em alguns poemas
Que ainda planejo postar postei
Eles serão a lápide
Não sua, mas minha:
Cuidei enquanto a tive
E o cuidado, cuidado

Se não cuidar posso te ressuscitar
Mas sem me precipitar, não sei
Fui eu que te matei?

(a)guardando a Mel

papel que não dobrei #10

Mel vem a boca de canudinho
Gota a gota
Me fita com olhos âmbar
Sugando a minha alma

Posta sobre meu ventre
Suas linhas curvas
São retilíneo arpão
Fisgam fundo meu estômago
E o rasgo expele purulento
Seus versos amargos
Impostora

papel que não dobrei #10

aspecto #9

É a sua figura
Que vaza
Nas arestas do espelho

Sua figura
Que ora aparenta
Minuto esvai

É a sua figura
Que turva
Lavra, rega a paixão

Ela, sua figura
Nua, escorada
Entre a tinta e o papel

Sua posição revela
Na ordem dessas
e de suas palavras
Sua figura
Bem definida
Linguagem

aspecto #9

ensaio sobre a mel #8

Ela não me visitou
Nos últimos dias
Não veio ao meu quarto
Pessoalmente
Até arrumei a cama

Meus olhos pelos cantos
Pelados de teias
Piscam, e me arrepio até
Extremidades

Me observa pela janela?
Ela não prometeu ficar
Ela não prometeu partir
Onde então, vamos parar?

ensaio sobre a mel #8

Nada-Estar #3

Eu encaro o espelho
Turvo de apatia
As linhas borradas
Fisionomia
Os olhos vazados
Buracos espessos
Lambem a superfície
Esticam até o fundo
Tateando indefinição
Vem e vão
Hipnose náusea

Nada-Estar #3

Meu Nome #2

Meu nome é sujo
Ao cavoucar do dia novo
Desgosto desgasta
Minha dívida na praça
Cobertor recém virado

Rígida a culpa ruge
E ágil, sempre cobra
A encaro de reflexo
Antídoto e método
A tarefa morta urge:

não fiz o que tinha
ontem
hoje
tem que fazer mais

menos com menos
é mais
zero vezes zero
crises
existenciais

Meu Nome #2

Miragem #5.3

A silhueta de grandes arranha céus quebra o horizonte. Construídos de costas para o sol, suas sombras cobrem tudo que está em baixo. O pesado buzinaço se choca contra as altas paredes, e pesa os ouvidos de quem está sob o regime de lá. A hora é de Rush, e nas largas avenidas todos tentam chegar em algum lugar. Vendo de longe parecem formigas, borradas de tão pequenas.

Mesclado a paisagem, o seu carro preto é um dos causadores da fila. A chave na indignação está desligada, e não tem pretensão de encostar na estrada. Os apressados passam buzinando, mas não adianta nada. Por estar imóvel, faz parte do labirinto.

– O mapa? – apontando para uma pilha de papeis empoeirados no banco de trás. – Ele te leva até a saída da cidade. Segui ele uma vez. Mas é loucura! Quem pensa em sair daqui?

Não esta perdido, já chegou no seu destino. Completava a paisagem, estacionado no meio do grande emaranhado de asfalto. Olha incomodado os motoristas que insistem em consultar o mapa. E fica indignado, poucas vezes, quando pegam a saída sumindo no horizonte.

É estático como os blocos de concreto que mantém cada prédio em seu lugar. Mas não faz questão. As sombras que os prédios derrubam são as mesmas que cobrem o seu chão.

 

Miragem #5.3

Miragem #5.2

A silhueta de grandes arranha céus quebra o horizonte. Construídos de costas para o sol, suas sombras cobrem tudo que está em baixo. O pesado buzinaço se choca contra as altas paredes, e pesa os ouvidos de quem está sob o regime de lá. A hora é de Rush, e nas largas avenidas todos tentam chegar em algum lugar. Vendo de longe parecem formigas, borradas de tão pequenas.

O azul do seu carro contrasta no meio de cores tão sombrias. Dirigia sóbrio e com cautela, conferindo a rota em cada semáforo. As dobras já gastas do velho mapa, encontrado no porta-luvas, ameaçavam esconder o caminho. Mas eram contornadas, percorrendo áreas mais claras do mapa.

Fala pouco, mas diz muito até com um levantar de sobrancelhas. Nasceu entre prédios de concreto armado mas sua lingua não é de ferro, pelo contrário. Seu olhar manso traz cores às suas palavras não ditas.

Ao deixar o labirinto para trás, os nós de asfalto se desfizeram em estradas de terra. O amarelo, verde e roxo não se limitam mais às indicações do mapa. Agora eles fazem carinho na pele e esvoaçam o cabelo.

O caminho de chão batido se perde no horizonte. Por vezes se sentou questionando o sentido. Poderia estar perdido? Olhando para trás percebia como a poluição cinza havia descido, mesclando o tom pastel do carro com o azul do céu. Fica animado quando a poeira sobe, revelando marcas de pneus que ali passaram.

As vezes tempestades vem sem avisar, tornando o caminho quase intransitável. As nuvens escuras fazem lembrar das sombras vazias. Gritos angustiados ecoam com o trovão. A lama indiferente rejeita as lagrima que caem no chão. O conforto vem ao lembra que o Sol vai voltar. Até lá, sua paciência guarda as cores que os olhos ainda não podem vislumbrar.

É livre para voltar mas prefere continuar. Aguarda o destino mantendo o sentido do caminho que se propôs a andar.

 

Miragem #5.2

Miragem #5.1

A silhueta de grandes arranha céus quebra o horizonte. Construídos de costas para o sol, suas sombras cobrem tudo que está em baixo. O pesado buzinaço se choca contra as altas paredes, e pesa os ouvidos de quem está sob o regime de lá. A hora é de Rush, e nas largas avenidas todos tentam chegar em algum lugar. Vendo de longe parecem formigas, borradas de tão pequenas.

Branco ou prateado, de cima não dá para ter certeza. Mas em meio as sombras esse carro se destaca. Foge do transito de maneira ordenada, com exeção de poucas zigue-zagueadas. As “barbeiradas” até são justificadas. Pois não é multitarefa, e não há co-piloto para checar o mapa.

– Eu checo mapa geralmente entre uma parada e outra. O transito é lento mas se não for esperto: roda. As vezes percebo que peguei o caminho errado, vejo o mapa na correria ou de cabeça para baixo. Mas paciência, um dia chego lá

Motorista de respeito, não pega multas, sempre anda direito. Entra em rotas antigas, rotatórias infinitas. Ao se dar conta, encontra-se em outro congestionamento. Sua direção é paralela as rodovias, mas perde todas as saídas.

Quanto falta para chegar? A gasolina se vai no pistão e no relógio. Roda o tempo, roda a roda. Está preso aos retornos. Sabota a própria rota.

Miragem #5.1

Miragem #5.0

A silhueta de grandes-arranha céus quebra o horizonte como uma miragem. Construídos de costas para o sol, suas sombras cobrem tudo que está abaixo. O pesado buzinaço se choca contra as altas paredes, e pesa os ouvidos de quem está sob o regime de lá. A hora é de Rush, e nas largas avenidas todos tentam chegar em algum lugar. Vistas de longe parecem formigas, em borrão de tão pequenas.

No meio do congestionamento, alguém corta o transito. Faz pouco caso do limite de velocidade. A cor de seu carro combina com a luz do semáforo que mais odeia. A que bloqueia sua vontade: correr sem pisar no freio; ir à tanto faz, mesmo se for bizarro.

– Para onde ir? Isso aí não tão é importante. Eu quero mesmo é curtir bastante. Minha vida, meu instante. –

Tinha orgulho de não pegar um retorno. Nunca ouviu falar em Mapa. Seguia em linha reta, acabando por dar voltas. Encheu sua vida de figurinhas e paisagens repetidas. Esvaziou seu tanque de gasolina.

Força a chave na ignição, mas já passou a hora da partida. Ficou sem graça, sem sentido, sem nada. Está preso, à beira da estrada.

Miragem #5.0